sexta-feira, 11 de abril de 2008

Eu que me comovo

Não sendo fácil encontrar qualquer uma das obras – mas para isso é que também servem as bibliotecas –, aqui vai uma dica que poderá servir para introduzir os jovens à escrita de um dos grandes nomes da literatura portuguesa. Eu que me comovo por tudo e por nada é um cd de Vitorino, datado já de 1992 e vencedor do Prémio José Afonso de 1993. Com excepção da faixa 12, todos os temas têm letra de António Lobo Antunes. Aliás, a Dom Quixote acabou, anos mais tarde, por lançar versão impressa das mesmas, a que deu o nome de Letrinhas de Cantigas. Com títulos tão curiosos como Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto, Canção para a minha filha Isabel adormecer quando tiver medo do escuro ou Valsa das viúvas da pastelaria Benard (homenagem a Alexandre O'Neill), se ALA nos diverte e emociona como ninguém, muito ao estilo das suas habituais crónicas, Vitorino dá-lhe uma roupagem digna, bem musicada e com uma interpretação extraordinária. Excelente para grupos de leitores, apresenta-se como mais uma forma de dar a provar a sopa ;-)
Aqui fica um cheirinho, da faixa Todos os homens são maricas quando estão com gripe:
Pachos na testa
Terço na mão
Uma botija
Chá de limão
Zaragotoas
Vinho com mel
3 aspirinas
Creme na pele
Dói-me a garganta
Chamo a mulher
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer
Mede-me a febre
Olha-me a goela
Cala os miúdos
Fecha a janela
Não quero canja
Nem a salada
Ai Lurdes, Lurdes
Não vales nada
Se tu sonhasses
Como me sinto
Já vejo a morte
Nunca te minto
Já vejo o inferno
Chamas, diabos
Anjos estranhos
Cornos e rabos
Vejo os demónios
Nas suas danças
Tigres sem litras
Bodes de tranças
Choros de coruja
Risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes
Que foi aquilo
Não é a chuva
No meu postigo
Ai Lurdes, Lurdes
Fica comigo
Não é o vento
A cirandar
Nem são as vozes
Que vêm do mar
Não é o pingo
De uma torneira
Põe-me a santinha
Á cabeceira
Compõe-me a colcha
Fala ao prior
Pousa o Jesus
No cobertor
Chama o doutor
Passa a chamada
Ai Lurdes, Lurdes
Nem dás por nada
Faz-me tisanas
E pão-de-ló
Não te levantes
Que fico só
Aqui sozinho
A apodrecer
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer.

ANTUNES, António Lobo. Letrinhas de Cantigas. Lisboa : Dom Quixote, 2002. 55 p. ISBN 972-20-2359-4.
foto de Vitorino por Manuel Lino aqui
foto de António Lobo Antunes aqui

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