quarta-feira, 11 de julho de 2007

A Panaceia

“Decido matar o tempo que falta até ser noite e ir ler para uma biblioteca. Desde pequeno que adoro passar horas e mais horas nas salas de leitura das bibliotecas, por isso, antes de vir para Takamatsu, tratei de reunir toda a informação acerca das bibliotecas que é possível encontrar no centro e à volta da cidade. Vendo bem, não existem muitos sítios por aí além onde um jovem que ande fora de casa possa parar. Tirando os cafés e os cinemas, só existem as bibliotecas municipais. Um local perfeito, diga-se de passagem – para além de não se pagar nada, ninguém estranha nem faz barulho ao ver aparecer ali um miúdo. Puxamos uma cadeira, sentamo-nos e pomo-nos a ler o que nos apetecer. (…) Depois de ter passado em revista todos os livros infantis, mudei para a secção seguinte, que é como quem diz, as estantes de novidades e livros para adultos. (…) Quando já não me apetecia ler mais, fechava-me numa daquelas cabines que têm auscultadores a ouvir música. (…) Foi assim que fiquei a conhecer Duke Ellington, os Beatles e Led Zeppelin. (…) A biblioteca era a minha segunda casa. Ou, se calhar, até a minha verdadeira casa. Uma vez que passava lá a vida, fiquei a conhecer bem algumas bibliotecárias que ali trabalhavam. Todas elas me conheciam pelo nome e cumprimentavam-me sempre.”

in MURAKAMI, Haruki. Kafka à beira-mar. 5ª ed. Cruz Quebrada: Casa das Letras, 2007

Kafka Tamura foge de casa aos quinze anos. O seu abrigo? A biblioteca. A sua panaceia.
foto aqui

2 comentários:

Andante disse...

Às vezes dou por mim a pensar o que temos de fazer para propagar o nosso amor aos livros. Sem resposta para isto, deixo aqui um texto sobre o que não devíamos fazer:

"(...)
Nós, que lemos e que pretendemos propagar o amor ao livro, preferimos frequentemente ser comentadores, interpretes, analistas, críticos, biógrafos, exegetas das obras que emudecem devido ao piedoso testemunho que damos da sua grandeza. Aprisionada na fortaleza da nossa competência, a palavra dos livros é substituída pela nossa palavra. Mais do que deixar a inteligência do texto falar por nosso intermédio, remetemo-nos à nossa própria inteligência, e falamos do texto. Não somos emissários do livro, mas os guardiões arregimentados de um Templo de que elogiamos as maravilhas com palavras que fecham portas: “É preciso ler! É preciso ler!”
(...)

Daniel Pennac in Como um Romance

Revelemos com prazer o prazer que os livros nos dão.
Obrigada pela referência à Andante e muitos parabéns pelo blog. Vim cá ter através de outro: «O bibliotecário anarquista». Nós agora também temos um blog (de ouvir): «Conta-me um conto que nunca contasses a ninguém»
Cristina Paiva

Gaspar Matos disse...

Obrigado, Cristina!
Vi a vossa representação de "às escuras o amor" na biblioteca de Carnaxide e foi uma experiência fantástica. Mais divulgação desse tipo de projectos é o que é preciso! E outros, novos! Muitos parabéns pelo vosso trabalho. É de louvar!