terça-feira, 24 de julho de 2007

O menino de Kabul

A perspectiva que aqui se defende, baseada não só em recolhas e leituras, mas também na experiência própria enquanto adolescente (já por lá passamos todos), é a seguinte: os adolescentes não querem livros infanto-juvenis. O infanto remete para o passado, numa idade em que se olha é para o futuro. O adolescente quer ser adulto, o mais rapidamente possível! Faça-se, então, a ligação adolescente-adulto. Só assim se verá a satisfação de ter miúdos de 15 anos e carregados de acne a entrarem, triunfais, pela sala de leitura de ADULTOS e a seleccionarem, por exemplo, O menino de Cabul, de Khaled Hosseini (The kite runner, em título original). Título vencedor dos Alex Awards de 2004 (que afina pela mesma bitola aqui do Adrian no que a preferências de teens diz respeito) e mais um exemplo de que a literatura para adultos serve os adolescentes e facilmente os cativa para a leitura. Eles sabem para onde querem ir e – podem ter a certeza –, não guardam saudades de onde vieram. Deixo aqui a referência. Já agora, apreciem a beleza da imagem. É mesmo um menino, é mesmo o Afeganistão, e está mesmo a lançar um papagaio! O resto, o que o circunda, enfim…

HOSSEINI, Khaled. O menino de Cabul. Lisboa : Relógio d´Água, 2005
foto aqui

5 comentários:

MCA disse...

Concordo inteiramente contigo. O termo literatura infanto-juvenil não só "infantiliza" os jovens (ou dá-lhes essa ideia) como menoriza um género que é tão bom e tem tanta qualidade como a literatura (dita) para adultos. Veja-se o que acontece em relãção a alguns críticos mais pedantes que dizem mal do Harry Potter, como se fosse uma infantilidade um adulto ler livros juvenis. A saga Harry Potter está bem escrita e as histórias têm uma complexidade e uma densidade que as distanciam anos-luz da literatura "light", essa para adultos. Se há uma literatura séria em oposição a uma literatura "light" ( que eu duvido), então os livros "infantis" de Rowling são lieratura séria... para crianças e jovens. E também para adultos.

MCA disse...

Já agora, sendo o tema deste blogue a literatura para jovens adultos, gostava de saber a tua opinião sobre a série Harry Potter. A minha já sabes...

Gaspar Matos disse...

Se reparares, o Harry Potter é uma personagem que facilmente se identifica com todos os adolescentes: tem aspecto de nerd, com aqueles óculos redondos e o seu fato de colégio privado, mas é também um aventureiro destemido que se coloca nas situações mais rocambolescas. Tem um grupo de amigos sólido e fiel, tal como Os Cinco da Enid Blyton ou, no caso português, a colecção Uma Aventura, da Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Também neste último tens todos os adolescentes-tipo representados, como, por exemplo, o Pedro – mais um nerd –, mas absolutamente integrado num grupo de amigos. Agrada-se assim a gregos e a troianos. E é isso precisamente que acontece nos livros da J. K. Rowling: para além do Harry, o Ron Weasley e a Hermione representam, respectivamente, o desastrado e a estudiosa-atinadinha, remetendo assim cada personagem para uma identificação e apropriação por parte de cada leitor adolescente. Quanto à tipologia de romance-fantástico, penso que atrai qualquer um – adolescente ou não –, com os seus monstros, a luta entre o bem e o mal – e, invariavelmente, o bem ganha –, as relações de entre-ajuda, o amor, um adulto que os acompanha e é um porreiraço – Hagrid –, as palavras sábias do velho e bondoso Dumbledore, enfim, tem tudo para correr bem. Se me agrada o género? Não, não é a meu preferido, mas isso não é relevante. O que é fundamental é que os teens leiam, e a toda a força. Se o fazem com Harry Potter? Óptimo. Se os adultos aproveitam também, ainda melhor! É que, atrás do prazer de ler um livro vem sempre outro, e isso é que interessa!

Um abraço, Clara!

MCA disse...

Concordo inteiramente com a tua análise mas ainda acrescento uma observação. Na infância fui uma ávida leitora - de tudo o que me vinha parar à mão, lá em casa havia livros em prateleiras altas para eu não lhes chegar senão ia tudo a eito :-), mas muito especialmente - dos livros da Enid Blyton. Ao pé dos Harry Potter, os Cinco e os Sete são de uma simplicidade e ingenuidade impressionantes. Os miúdos não crescem, as personalidades são muito lineares, as histórias são simples. Nos HP, as histórias são extremamente complexas (na verdade, há histórias dentro de histórias e uma lógica que atravessa todos os volumes), os miúdos crescem e mudam comportamentos e as personagens têm densidade psicológica. Além disso, a autora recorre a um conjunto de conhecimentos de ocultismo, mitologia, etc. tão complexos que têm dado origem a livros sobre o tema. Ou seja, um adolescente, ao ler o Harry Potter tem de pensar, tem de relacionar factos internos à história e tem de adquirir conhecimentos externos. Tem de ler outros livros para perceber cabalmente os do HP. Incita a curiosidade até pela História, ajuda a perceber que as coisas não existem isoladas no tempo mas têm explicações profundas que mergulham no passado (a origem da escola de magia, por exemplo). É uma cadeia de leituras. Acho que essa é a maior virtude educativa destas histórias.

Gaspar Matos disse...

Tens toda a razão. Aliás, o mesmo se passa, de certa forma, com a colecção Uma Aventura: não remetendo para outros livros mas sendo, eles mesmos, pequeno livros de História dentro da história.
Aparece sempre!