sexta-feira, 7 de março de 2008

Andar espantado de existir

J. K. Rowling, J. R. R. Tolkien, Christopher Paolini, Stephenie Meyer, todos estes autores remetem para um género literário que invadiu, nos últimos anos, não só as estantes de livrarias e bibliotecas, como também alterou - positivamente - os hábitos de leitura de adolescentes e jovens de todo o mundo. Quais os motivos para tal explosão do "fantástico", que cativa até os públicos mais renitentes? Da entrevista de Maria do Rosário Monteiro ao DN:

“O público procura, compra, lê. Os editores e os próprios autores contactados pelo DN avançam a teoria, consensual entre eles, de que a literatura fantástica tem os seus momentos mais altos em tempos de desencanto e confusão. A professora Maria do Rosário Monteiro confirma esta ideia no estudo A Afirmação do Impossível: "Durante o século XX, a sociedade ocidental enfrentou várias crises que abalaram profundamente valores tidos como incontestáveis", adianta a docente de Estudos Portugueses na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (da Universidade Nova de Lisboa). "A física estilhaçou o universo newtoniano, a psicologia descobriu o inferno no íntimo de cada ser humano, o indivíduo perdeu referências e solidariedades que contribuíam para uma certa estabilidade emocional." (…) "Num mundo caótico, à beira do holocausto global, Tolkien abriu verdadeiramente o caminho que muitos trilharam depois, descobrindo novas vozes, novos mundos, oferecendo formas eficazes de escapismo", diz. O género fantástico ganhava um fôlego maior.”

Associar a este “fôlego” obras de autores portugueses afigura-se como algo incontornável, nomeadamente junto de adolescentes e jovens adultos. Aconselha-se, assim, As aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira. José Jorge Letria afirmou, a propósito desta obra:

“poucos livros conseguiram operar de forma tão nítida este prodígio: foi escrito para a juventude, mas os chamados adultos identificaram-se plenamente com o universo mágico que ele encerra".

Um livro que é mais que uma história fantástica, é também uma crítica mordaz ao Fascismo. Do CITI – Centro de Investigação para as Tecnologias Interactivas:

“A crítica de Alexandre Pinheiro Torres a esta obra (in “Vida e Obra de José Gomes Ferreira”), é clara e deixa praticamente tudo dito acerca dela: "Livro sem qualquer paralelo na literatura europeia de hoje, ganha no confronto em relação a outras célebres alegorias políticas como "Animal Farm" de Orwell, ou as de Karel Capek. É que há (...) uma audácia à Swift ("Gulliver's Travel") de transfiguração e simbologia política que transcendem de bastante longe o burocratismo imaginativo de Orwell ou de Capeck, sem verdadeiras raízes nas tradições populares ou folclóricas que conferem a estas 'Aventuras' o seu carácter único".”

Junte-se-lhe um surrealismo muito familiar ao nonsense a que nos habituaram, por exemplo, os Gato Fedorento, e temos uma excelente referência literária para o nosso público. Como se não bastasse, a obra – editada pela D. Quixote –, surge agora em formato de bolso – portátil, logo, atraente para leitores mais novos –, no âmbito da nova colecção booket. No site desta colecção encontramos preços a condizer com o tamanho e, por último mas não de menor relevo, possibilidade de download do primeiro capítulo deste título.
O adrian sugere uma forma de o promover nas bibliotecas públicas e/ou escolares: colocar o livro em destaque, com a citação que se segue, correspondente à que João encontra escrita no Muro, quando se prepara para entrar no mundo fantástico:
É PROIBIDA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR ESPANTADO DE EXISTIR
Não deixa de ser curioso que esta frase se identifique tão bem com os motivos supracitados que avalizam o gosto por este género literário: os “tempos de desencanto e confusão”. Tudo se encaixa.

FERREIRA, José Gomes. As aventuras de João Sem Medo. Lisboa : Booket, 2008. 176 p. ISBN 978-972-2035-53-8.
foto de pormenor das Tentações de Santo Antão (Hieronymus Bosch),
que ilustra a mais recente capa d’As Aventuras de João sem Medo aqui

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