Convidado a participar na 2ª caminhada de bloguistas bad&lis infelizmente, e por mais um ano, não pude estar presente. O Pedro, no entanto, pediu-me um post para partilhar com os restantes andarilhos, a propósito do tema Blogs: antes de mais uma atitude pessoal. Saiu o que se segue.
Dar e receber. Devia ser a nossa forma de viver
António Variações, Dar & Receber, 1984
Escrever. Gosto de escrever. Será talvez por isso que, numa primeira fase, me decidi a abrir as portas do adrianepandora. Sempre escrevi muito, ao longo da vida. Mas todos esses retalhos de desabafo, estupidez, criatividade, fúria, amor, tristeza, alegria e o que mais se possa enumerar tinham sempre o mesmo destino, fosse ele um qualquer cesto de papéis, contentor do lixo ou mesmo, em dias mais tempestuosos, os quatro ventos, depois de a vítima do instrumento de escrita ter sido bem esquartejada, amassada e agredida.
Com o adrian as coisas alteram-se. A forma passa a ser a digital e, ainda por cima, exposta, pública, e com leitmotiv bem definido: jovens e bibliotecas. E os conteúdos partilhados, de forma abnegada, tal como é a praxis que nos trouxe a esta caminhada e também a tarefa da biblioteca pública, em que desempenhamos o nosso mister. Mas depressa um blogue passa do que quer que seja para algo mais complexo, algo que sujeita à obrigação de, algo que se estima, algo que se quer manter. Será talvez, o adrian, a plantinha no parapeito da janela que me comprometi a não deixar morrer à sede. É já uma extensão do meu ser, porque reflecte um pouco de mim. A angústia invade-me se não o actualizo (como agora). Sinto-me mal, culpado. Quanto mais não seja porque os outros, os que foram lendo, apreciando, comentando, esperam mais. E, pelo menos no início, também eu esperava que eles quisessem mais. Agora que exigem, que indagam, o exercício - que de tão ampla liberdade parecia -, passa a ser de uma enorme responsabilidade. O que, bem pensado, está intimamente ligado: liberdade/responsabilidade. É justo. Do dar e receber que adviria de uma experiência como esta sei - todos sabemos -, o número de comentários que cada post gera. Mas também sei o número de visitas. Continuamos a viver num Portugal escrito com minúscula, porque nos fazemos pequenos (e porque nos fizeram pequenos, durante tantos e tantos anos). No Portugal tão bem descrito por Saramago n’O Memorial do Convento e que, trezentos anos depois, se mantém tão actual. Somos, por muitos, vistos não como os que dão, se dão, que instigam à troca de sinergias, que espicaçam consciências, à laia de insecto patrocinado por Sócrates – o filósofo, não confundir! Para esses, seremos sempre os que se põem em bicos dos pés, os vaidosos, os que querem dar nas vistas. Porque pensar é ainda pecado, e verbalizá-lo – ou escrevê-lo -, ainda mais. Mas vêm ver, ler, espreitar, bebem à socapa. Beber podem - e devem -, pois o espaço é público. Intervir é que já não é considerado algo a fazer. O exercício da cidadania, pelas ruas da amargura, é o que é. E isso entristece-me. E eu? Eu continuo a pensar - e penso que continuamos -, que a utopia de educar, cultivar, informar e difundir, de modo gratuito, é aquilo que nos faz mexer. Dá gozo, não cobrar. Dizer aqui está!, tornando-nos facilitadores de uma sociedade mais justa, mais solidária, mais culta e esclarecida. E como da profissão acaba por advir a devoção, cá estamos. Com mais tempo, menos tempo, mais posts, menos posts, mas cada um a fazer de bloguista, que mais não é que ser bibliotecário, de forma descomprometida e de modo digital. António Variações – homem muito à frente do seu tempo -, cantava, em 1984: Dar e receber, devia ser a nossa forma de viver. Materializava, em letra de canção, o espírito dois ponto zero numa época zero vírgula um. Nós damos, temos a certeza disso. E também recebemos, caso contrário esta caminhada não teria sentido (nem concretização). E, se profissionalmente, a experiência é compensadora, a título pessoal é ainda mais marcante! Dar e receber, esta é a nossa forma de viver. Um abraço! adrian
6 comentários:
É uma GANDA' post!
Muito obrigado pela tua "presença" na caminhada! Foi inspiradora.
Tudo de bom!
Talvez para o ano já seja uma presença efectiva.
Um abraço!
Que lindo. Parabéns, muito bem escrito.
Esta foi uma caminhada de um só fôlego...
Eu tb acho que, em tudo na vida, dar e receber deverá ser o leitmotiv para a nossa forma de viver e é muito pertinente qd, em causa, está o profissional da informação, que deveria, de forma descomprometida,gerar e distribuir informação, ouvir os comentários e saberes dos outros e dar-se aos mais necessitados (cultural, economica ou socialmente desfavorecidos). Oeiras não será o melhor exemplo, mas existem muitos Municípios que deveriam associar a cultura ao social e utilizar as bilbiotecas para esse efeito (projecto que levam os livros a casa das pessoas são disso o exemplo)
PS: não se sinta mal por não actualizar o blog tanto quanto gostaria. Muitas vezes, vale mais a qualidade que a quantidade
Cá estou eu a espreitar...a ler e a reler. Gosto do teu blog e deste post em particular, creio que pelo cunho pessoal. Continua, quantidade não é sinónimo de qualidade. E já agora, também acredito que o serviço público gratuito deve ser mantido, mas para que os que realmente necessitam dela assim, grátis e com qualidade, também há que primeiro chegar a eles - a velha questão continua a ser essa... não é? A aposta continua a estar aqui também... Como chegar a esses?
Obrigado pelas palavras à Maria, Anabela e Narr Ativa.
Apenas dois apontamentos: em relação a Oeiras - e apesar de o adrian já não andar por essas paragens -, sei que um maior enfoque nas populações mais carenciadas dos serviços da Biblioteca Pública está a ser empreendido este ano, nomeadamente com as iniciativas de extensão bibliotecária para jovens e idosos. Existem, efectivamente, exemplos bem inspiradores e implementados há alguns anos. Há que olhar para esses, concordo. Todos o devem fazer.
"Como chegar a esses?" - pergunta a Narr Ativa? Com justiça social, conceito um pouco abstracto nos dias que correm mas a fazer cada vez mais sentido. As BP's, gratuitas (e atenção à gratuitidade, pois o préstimo já foi devidamente liquidado, via impostos), são dos últimos "pin's" que podemos por ao peito e que configuram essa Justiça Social (com maiúscula, assim é que é). E não concordo que sejam só para os que precisam, penso que devem ser para todos, todos os que cumpram as suas obrigações para com o Estado (nomeadamente as fiscais). Caso contrário, entramos aqui numa lógica de utilizador/pagador que pode ser bastante perniciosa.
Obrigado pelas vossas intervenções. Obrigado pelo dar e receber.
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